Investidores usam fundos para obter vistos gold Corrida aos fundos de investimento para obtenção de vistos gold já começou Legislação A partir de janeiro muda o regime dos vistos gold. A intenção é 'empurrar' investimento para o interior Amadeu Araújo | [email protected] O mercado imobiliário já tem uma dezena de fundos a operar, para cumprir com as novas regras de autorização de residência em Portugal para atividades de investimento estrangeiro, os chamados golden visa. É que, a partir de janeiro, conseguir autorização para viver em Portugal com a compra de uma residência só será possível no interior do país. Açores e Madeira, regiões que poderão assistir a um aumento do preço do parque imobiliário. A única forma de 'contornar' essa obrigatoriedade é através de um fundo imobiliário. "Temos assistido a uma mudança da opção de investimento, cada vez maior para fundos de capital de risco", constata Patrícia Viana, especialista em direito imobiliário da sociedade Abreu Advogados. "Há já muitos fundos constituídos e a operar. os quais têm conseguido captar a atenção de investidores internacionais precisamente porque são elegíveis para golden visa e os montantes necessários ao investimento são, por enquanto, mais baixos." Obter um visto gold, a partir de janeiro, nas principais cidades obriga à criação de fundos de investimento imobiliário ou de capitais de risco, vocacionados para a capitalização de empresas. Fundos que estejam ativos há. pelo menos, cinco anos e com. pelo menos, 60 % do valor dos investimentos concretizado em sociedades comerciais sediadas em território nacional. "São estes fundos de capital de risco que estão a criar sociedades imobiliárias", faz notar a advogada. Dados da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários mostram que em setembro deste ano o valor sob gestão dos fundos de investimento e de gestão de património imobiliário atingiu €10.77 mil milhões, mais €67,1 milhões do que em agosto, representando um acréscimo de 0.6%. Uma dezena de fundos Entre os novos fundos está o Madadna Portugal, uma sociedade de investimento imobiliário detida pela Insula Capital. Mas há mais fundos, "uma dezena", contabiliza Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII)- Fundos que "procuram responder às alterações ao programa dos vistos golde que assim estão a ser promovidos", revela. Fundos de investimento constituídos com carteiras de imóveis e que permitem a cidadãos estrangeiros subscreverem unidades de participação, que são válidas para a obtenção de autorização de residência, desde que compradas por um mínimo de €500 mil. Entre os imóveis adquiridos por esses fundos estão "prédios em Campo de Ourique, em Lisboa, ou na Foz. no Porto", revela fonte do mercado. Assim, no próximo ano "um investidor que queira apostar no imobiliário vai ter que optar por comprar ativos comerciais, turísticos ou para serviços se quiser investir, por exemplo, em Lisboa, sendo que. se quiser um ativo habitacional, terá que optar por localidades como Beja ou Aguiar da Beira", exemplifica Patrícia Viana. Combater "escalada de preços" A ideia que fundamenta a alteração legislativa é "o fomento do investimento no interior, o que teoricamente levaria a maior coesão entre as várias regiões", reconhece a especialista da Abreu Advogados. E adianta ainda outro objetivo: "Combater a escalada de preços nas maiores cidades, não acompanhada de um aumento dos salários dos portugueses." Porém, as novas regras "não redirecionam. por si só. os investidores para o interior", porque é preciso que "exista produto imobiliário com rentabilidade", uma vez que "a maioria dos investidores não habita estas casas, preferindo arrendá-las". Ricardo Garcia, diretor da área residencial da consultora Savills, também confirma a entrada destes fundos no mercado. Porém, a Savills "não optou por esta estratégia", conclui o executivo. A cinco semanas do fim do programa dos golden visa, tem havido "um acréscimo da procura em Lisboa. Porto e Algarve, numa espécie de corrida contra o tempo", afirma Patrícia Viana. Isto porque um investidor que requeira um golden visa "ainda pode utilizar os investimentos residenciais como elegíveis" até final do ano. adianta. E há dois meses que a atribuição de Autorizações de Residência para Atividade de Investimento (ARAI) está a aumentar. Em julho, o país captou €20.09 milhões, que subiram para €30.46 em agosto. Em setembro houve uma descida para os €27.06 milhões, que cresceram para €39,61 milhões em outubro. Investimento captado apenas pelo sector imobiliário, revelam os dados oficiais do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Contas feitas, nos 10 primeiros meses de 2020 o país atribuiu 867 vistos relativos a compras imobiliárias, que se traduziram em vendas de €514,62 milhões. Em maio de 2020. logo após o fim do confinamento, Portugal atribuiu 257 ARI e fez vendas de €136.91 milhões. Foi o melhor mês dos últimos dois anos. Desde então, os números estiveram sempre em queda, com julho deste ano a obter vendas imobiliárias a estrangeiros no valor de €20.9 milhões e 35 autorizações. E com o fim das atuais regras em contagem decrescente os números voltaram a subir, e nos primeiros 10 meses deste ano já foram atribuídas 622 autorizações. com vendas de €336.75 milhões em habitações. Mais de €5 mil milhões em nove anos E "é expectável que este valor suba mais com o aproximar do fim do programa". prevê o presidente da APPII. Os investidores "procuram o visto para viajar pelo Espaço Schengen e disporem de residência em Portugal: não querem as complicações que a nova lei traz", critica Santos Ferreira. Nos nove anos de vigência do programa, Portugal conseguiu captar €5434 milhões em investimento imobiliário ao atribuir 9450 ARI. A China, com metade deste valor, lidera os compradores de ativos imobiliários, seguida do Brasil, com 1038 autorizações, e da Turquia, com 476. Os sul-africanos obtiveram 422 vistos e os russos 409. Com as novas regras, "iremos ter uma quebra do investimento internacional", avisa Santos Ferreira. O presidente da APPII aponta "constrangimentos" às alterações, "excesso" de burocracia e "não atribui a propriedade plena do ativo imobiliário". Na prática, as alterações "transformam os investidores em co-proprietários. que não é o ideal e afasta muitos compradores". Em causa "a complexidade na obtenção do visto", que "exige conhecimentos de prívate equity. que nem todos os candidatos a residir em Portugal dominam". Patrícia Viana concorda e assume que a alteração "vai afastar capital estrangeiro no que toca a investidores privados". Em causa, sinais de "pouca segurança jurídica, de volatilidade, de incerteza". Até pelos condicionalismos do SEF, com "incapacidade para fazer agendamentos para todos os investidores que já submeteram a sua candidatura". O que "pode resultar num descrédito do país", antevê a advogada. E há "outra questão": saber se este "empurrar" do investimento "não poderá acabar por ter um efeito perverso no parque imobiliário do interior do país. que é o aumento do seu preço", conclui.
Investidores usam fundos para obter vistos gold
Investidores usam fundos para obter vistos gold Corrida aos fundos de investimento para obtenção de vistos gold já começou Legislação A partir de janeiro muda o regime dos vistos gold. A intenção é 'empurrar' investimento para o interior Amadeu Araújo | [email protected] O mercado imobiliário já tem uma dezena de fundos a operar, para cumprir com as novas regras de autorização de residência em Portugal para atividades de investimento estrangeiro, os chamados golden visa. É que, a partir de janeiro, conseguir autorização para viver em Portugal com a compra de uma residência só será possível no interior do país. Açores e Madeira, regiões que poderão assistir a um aumento do preço do parque imobiliário. A única forma de 'contornar' essa obrigatoriedade é através de um fundo imobiliário. "Temos assistido a uma mudança da opção de investimento, cada vez maior para fundos de capital de risco", constata Patrícia Viana, especialista em direito imobiliário da sociedade Abreu Advogados. "Há já muitos fundos constituídos e a operar. os quais têm conseguido captar a atenção de investidores internacionais precisamente porque são elegíveis para golden visa e os montantes necessários ao investimento são, por enquanto, mais baixos." Obter um visto gold, a partir de janeiro, nas principais cidades obriga à criação de fundos de investimento imobiliário ou de capitais de risco, vocacionados para a capitalização de empresas. Fundos que estejam ativos há. pelo menos, cinco anos e com. pelo menos, 60 % do valor dos investimentos concretizado em sociedades comerciais sediadas em território nacional. "São estes fundos de capital de risco que estão a criar sociedades imobiliárias", faz notar a advogada. Dados da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários mostram que em setembro deste ano o valor sob gestão dos fundos de investimento e de gestão de património imobiliário atingiu €10.77 mil milhões, mais €67,1 milhões do que em agosto, representando um acréscimo de 0.6%. Uma dezena de fundos Entre os novos fundos está o Madadna Portugal, uma sociedade de investimento imobiliário detida pela Insula Capital. Mas há mais fundos, "uma dezena", contabiliza Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII)- Fundos que "procuram responder às alterações ao programa dos vistos golde que assim estão a ser promovidos", revela. Fundos de investimento constituídos com carteiras de imóveis e que permitem a cidadãos estrangeiros subscreverem unidades de participação, que são válidas para a obtenção de autorização de residência, desde que compradas por um mínimo de €500 mil. Entre os imóveis adquiridos por esses fundos estão "prédios em Campo de Ourique, em Lisboa, ou na Foz. no Porto", revela fonte do mercado. Assim, no próximo ano "um investidor que queira apostar no imobiliário vai ter que optar por comprar ativos comerciais, turísticos ou para serviços se quiser investir, por exemplo, em Lisboa, sendo que. se quiser um ativo habitacional, terá que optar por localidades como Beja ou Aguiar da Beira", exemplifica Patrícia Viana. Combater "escalada de preços" A ideia que fundamenta a alteração legislativa é "o fomento do investimento no interior, o que teoricamente levaria a maior coesão entre as várias regiões", reconhece a especialista da Abreu Advogados. E adianta ainda outro objetivo: "Combater a escalada de preços nas maiores cidades, não acompanhada de um aumento dos salários dos portugueses." Porém, as novas regras "não redirecionam. por si só. os investidores para o interior", porque é preciso que "exista produto imobiliário com rentabilidade", uma vez que "a maioria dos investidores não habita estas casas, preferindo arrendá-las". Ricardo Garcia, diretor da área residencial da consultora Savills, também confirma a entrada destes fundos no mercado. Porém, a Savills "não optou por esta estratégia", conclui o executivo. A cinco semanas do fim do programa dos golden visa, tem havido "um acréscimo da procura em Lisboa. Porto e Algarve, numa espécie de corrida contra o tempo", afirma Patrícia Viana. Isto porque um investidor que requeira um golden visa "ainda pode utilizar os investimentos residenciais como elegíveis" até final do ano. adianta. E há dois meses que a atribuição de Autorizações de Residência para Atividade de Investimento (ARAI) está a aumentar. Em julho, o país captou €20.09 milhões, que subiram para €30.46 em agosto. Em setembro houve uma descida para os €27.06 milhões, que cresceram para €39,61 milhões em outubro. Investimento captado apenas pelo sector imobiliário, revelam os dados oficiais do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Contas feitas, nos 10 primeiros meses de 2020 o país atribuiu 867 vistos relativos a compras imobiliárias, que se traduziram em vendas de €514,62 milhões. Em maio de 2020. logo após o fim do confinamento, Portugal atribuiu 257 ARI e fez vendas de €136.91 milhões. Foi o melhor mês dos últimos dois anos. Desde então, os números estiveram sempre em queda, com julho deste ano a obter vendas imobiliárias a estrangeiros no valor de €20.9 milhões e 35 autorizações. E com o fim das atuais regras em contagem decrescente os números voltaram a subir, e nos primeiros 10 meses deste ano já foram atribuídas 622 autorizações. com vendas de €336.75 milhões em habitações. Mais de €5 mil milhões em nove anos E "é expectável que este valor suba mais com o aproximar do fim do programa". prevê o presidente da APPII. Os investidores "procuram o visto para viajar pelo Espaço Schengen e disporem de residência em Portugal: não querem as complicações que a nova lei traz", critica Santos Ferreira. Nos nove anos de vigência do programa, Portugal conseguiu captar €5434 milhões em investimento imobiliário ao atribuir 9450 ARI. A China, com metade deste valor, lidera os compradores de ativos imobiliários, seguida do Brasil, com 1038 autorizações, e da Turquia, com 476. Os sul-africanos obtiveram 422 vistos e os russos 409. Com as novas regras, "iremos ter uma quebra do investimento internacional", avisa Santos Ferreira. O presidente da APPII aponta "constrangimentos" às alterações, "excesso" de burocracia e "não atribui a propriedade plena do ativo imobiliário". Na prática, as alterações "transformam os investidores em co-proprietários. que não é o ideal e afasta muitos compradores". Em causa "a complexidade na obtenção do visto", que "exige conhecimentos de prívate equity. que nem todos os candidatos a residir em Portugal dominam". Patrícia Viana concorda e assume que a alteração "vai afastar capital estrangeiro no que toca a investidores privados". Em causa, sinais de "pouca segurança jurídica, de volatilidade, de incerteza". Até pelos condicionalismos do SEF, com "incapacidade para fazer agendamentos para todos os investidores que já submeteram a sua candidatura". O que "pode resultar num descrédito do país", antevê a advogada. E há "outra questão": saber se este "empurrar" do investimento "não poderá acabar por ter um efeito perverso no parque imobiliário do interior do país. que é o aumento do seu preço", conclui.