Um solavanco e a vida de Aliu perdeu o chão. Assim do nada, no meio do nada, numa picada de terra vermelha na região oeste da República Centro-Africana (RCA), sem vivalma em redor, só árvores e um caminho feito lama, e a lama feita água, a esconder as bermas e o rasgão na floresta a que chamam estrada. Chovia há horas, com força e intensidade tropicais, e um nevoeiro cerrado dava ar de conto de fadas à tragédia. O comando, de 23 anos, era um dos cinco elementos que seguia no último humvee (HMMWV) de uma pequena coluna militar que se dirigia para a cidade de Bocaranga, onde a Força portuguesa estava projetada em missão, ao serviço das Nações Unidas. Regressavam de Bouar, de um rotineiro movimento logístico para ir buscar combustível e água. Faltavam 40 quilómetros, menos de um terço do caminho.
Camará era o apontador. Estava na torre do carro de combate branco, de pé, meio corpo dentro, meio corpo fora, as mãos a agarrar a metralhadora, virado de costas para o condutor, a montar segurança à retaguarda. “Só me lembro de sentir a viatura a fugir e depois um solavanco forte. Acho que bati com a cabeça na arma, desmaiei e devo ter sido cuspido”, recorda Aliu. Ao volante, o cabo Mendes tentava controlar o humvee de 1,25 toneladas numa descida em que o piso parecia barrado a óleo. Resvalou para a berma da esquerda, ainda funda, guinou para a direita para voltar à estrada, voltou, mas não mais conseguiu controlá-lo. Atravessou a picada, esteve em duas rodas pelo menos duas vezes, até que a viatura bateu contra umas árvores e imobilizou-se, de quatro.
Terá sido quando quase capotou que o veículo atingiu as pernas de Aliu, caído no solo. Terá sido. Ninguém sabe ao certo, ninguém viu. O comando estava inconsciente e nada sentiu. “A viatura entrou em aceleração, não se conseguia parar... Estávamos às voltas, as coisas a voar por todo o lado. Tive a sensação de que fomos às cambalhotas, o Mendes acha que arrojou de um lado, levantou as rodas, assentou e arrojou do outro. Mal parámos, o Ferreira e o Caldeira, que iam atrás, começaram a gritar pelo Camará. Não estava na torre. Só aí percebemos que ele tinha sido projetado”, recorda o furriel Tomás Ferreira, chefe da equipa, que seguia ao lado do condutor.
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