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PSIAX #6 — Série II

No presente número da revista PSIAX, dedicado ao tema “Escrever sobre, para e com Desenho”, procura-se assinalar alguns dos possíveis campos de actuação onde a relação entre desenho e escrita se desenvolve e reinventa.

PSIAX #6

Editorial

No presente número da revista PSIAX: Estudos e Reflexões sobre o Desenho, dedicado ao tema “Escrever sobre, para e com Desenho”, procura-se assinalar alguns dos possíveis campos de actuação onde a relação entre desenho e escrita se desenvolve e reinventa. Se a reflexão e o pensamento sobre o desenho, sobre as suas diferentes práticas e expressões, configuram através da escrita um desejo de racionalizar e de compreender a múltipla existência dos seus usos, seja enquanto processos de experimentação e invenção artística ou, ainda, enquanto processos de conhecimento, o desenho, o fazer do desenho, parece acolher em si mesmo, desde os seus primórdios, o ensejo pré-linguístico que é inferido pelo elementar gesto de designar. Nesse mesmo impulso, o desenho ritma, traça, figura e representa, dando a ver o que de outro modo tende a desaparecer enquanto fenómeno e experiência visível. A escrita, na sua complexa estrutura cognitiva e inteligível, que implica a determinação simbólica da sintaxe e da lógica, mas também a multiplicidade das línguas, compõe-se necessariamente com a linearidade dos signos, das letras, que permitem tornar visível as palavras, os nomes, os conceitos. Mas se a escrita supõe o gesto deíctico, a inscrição gráfica, a notação da fala e da oralidade, na qual se inclui a sequência temporal do dizer – e da leitura –, é com a acção de desenhar que irradiam as figuras e se traduz a experiência visual e fenomenológica do real. Este real advém, portanto, enquanto construção necessária, como relação entre matéria, distância, espacialidade, expressão e pensamento; isto é, dizer e configurar, ler e mostrar. Mas, também, instância aleatória, enquanto desordem babélica, desconcerto e caos visual: ou seja, desejo de compreender e expressar. Assim, uma frase, ou um texto, permite desencadear uma distinta formação significante e “tecer” um desenho, uma ilustração ou uma animação espontânea de gestos e traços. Este, por sua vez, pode tornar-se, mediante o seu impacto ou sugestão, o movimento interpretativo de outras palavras, frases e composições. A grafia permite, de facto, visualizar uma relação singular entre a experiência corporal e sensorial de cada ser e o mundo – sentir, tocar, ver, falar, dizer –, e, através dos sinais, das suas designações e nomeações, ou seja, da sua função linear ou radiante – tal como A. Leroi-Gourhan e T. Ingold a distingue – integrar, exprimir e imaginar uma orientação possível do existente.

Na etimologia grega, grafar indica simultaneamente a letra e o modo de inscrição da letra, mas escrever e desenhar compreendem, apesar de tudo, um divergente sentido e intencionalidade. Contudo, ambas as acções, nomear e designar, entretecem a imaginação e a textura do visível, ou seja, a necessidade de orientação e a liberdade de criação de um espaço de pensamento que constitui a trama e a condição relacional de todos e de cada um com o mundo.

A incorporação da experiência visual, porque próxima da materialidade e das superfícies, manifesta-se na expressão gráfica das linhas, dos traços e das manchas, tal como, por outro lado, a produção de distância amplifica a razão de sinais e de grafos enquanto linhas, esquemas e símbolos do pensamento. Muitas vezes, o texto ensaia a reflexão sobre as práticas e as formas do desenho, mas outras vezes, o texto é o próprio desenho. É neste território, no qual se pensa com e para o desenho que surge o poder de escrever e pensar: a potência de ver e de compreender modos inteiramente novos, inesperados e inusitados, que colocam em crise as certezas e as normas do existente.

Do conjunto dos artigos e dos projectos inéditos que aqui se publicam, ressalta a inquietante recomposição e imbricação daquilo que se julga previamente separado ou apenas reconciliável segundo certas regras. As propostas de estudo e as perspectivas teóricas de alguns dos artigos correspondem de algum modo ao carácter experimental e ensaístico dos projectos artísticos apresentados, manifestando assim uma espontânea conexão entre problemas e imagens.

(Trecho retirado do Editorial da PSIAX #6)

Natacha Antão, Sílvia Simões, Vítor Silva

 

Sobre PSIAX

Porquê Psiax? Psiax é o nome de um dos pintores de vasos gregos que terão introduzido a grande mudança do desenho com a técnica das figuras vermelhas no início do século V a.C. Este é um dos mais notáveis aspectos da arte do desenho e da sua adaptação a uma necessidade tecnológica, empresarial, ritual e social, num dos períodos mais relevantes da cultura grega.

Se nos servirmos de uma analogia com a vida de Psiax na Grécia Clássica, e vivêssemos num período de figuras pretas, como se nos colocaria o quadro de inovação na representação da imagem nos artefactos que utilizamos dominantemente ou que poderão vir a ser utilizados? Ao ser produzido por meios digitais ou manuais, o que se inova e constrói? Como é que se acede a essas imagens? O que as caracteriza e como é que a representação ganha aspectos inovadores ou qualificadores da experiência artística?

A orientação editorial pretende promover e divulgar estudos sobre o papel que o desenho poderá desempenhar no nosso tempo, quer ele se concretize como processo de compreender o mundo, quer como meio de aprendizagem e ensino, ou como elemento caracterizador essencial dos objectos artísticos já existentes ou a criar.

Pretendemos dar a conhecer estudos sobre o desenho como imagem considerando que o desenho como arte plástica, manual ou digital, além de se constituir por um conjunto de elementos típicos e próprios da sua específica condição material, é, acima de tudo, uma imagem que ocupa lugares no universo infinito de outras imagens materiais, foto-químicas e electrónicas que hoje nos envolvem.

Importa ligar o passado do desenho - autores, modalidades, temas, tendências, escolas - com as urgências e o sentido de progresso e de ideologia, com as hipóteses que se levantam, com as necessidades que vão da sobrevivência ao sonho, recuperando a memória longínqua do desenho e conduzindo-a para uma actualidade em que se exigem novos entendimentos de uma arte básica do ser-se humano.

Interessa a publicação de estudos monográficos, analíticos, doutrinais, programáticos, metodológicos e críticos desde que se estabeleça, em qualquer dos âmbitos, uma relação entre o passado e o presente. Isto é, interessa colocar as diversas perspectivas em debate, em sintonia, em confronto, em paralelo, em analogia com os problemas, os esforços, as realidades, as obras e as teorias do nosso tempo, quer no domínio da pedagogia, da teoria e prática do desenho, quer no campo da expressão artística.

A Psiax integra uma chamada internacional de participações e revisão cega por pares. Adotando práticas que visam ampliar os contributos e sua consequente disseminação, reforçando a confiança científica e artística dos conteúdos apresentados, contribuindo para a qualidade da investigação realizada nestes domínios de conhecimento.